Artesão apodiense Chico Augusto
Para quem trafega pela rua Joaquim Teixeira
de Moura, exatamente na BR-405, à altura do Posto de Combustíveis União (de
Gonzaga), para quem sai da cidade no sentido Mossoró se depara na calçada da
oficina de Chico Augusto com um objeto artístico de chamar atenção,
principalmente das crianças, embora uma arte rústica, mas que lhe cobrou ideia
genial, suor e custos. Uma engenhoca cheia de penduricalhos na estrutura
metálica, ventoinhas, bonecos a se movimentarem autonomamente impulsionados
pelas correntes dos ventos. Para uns não passa de uma geringonça, já para
outros, arte de um escultor.
Mas quem é esse artesão desconhecido ou sem
renome? Chico Augusto, de batismo Francisco Augusto Neto, natural de Apodi,
precisamente veio ao mundo no sítio Bamburral, no dia 19/07/1950, às 4 horas da
madrugada; segundo ele repete o que sua mãe lhe contava do seu nascimento. Essa
vocação de mecânico de onde vem? Desde os 9 a 10 anos de idade na escola
primária contava a tabuada de “pé a ponta com todos os nove foras”, não tinha
dificuldades de aprender. Neste período já lhe tinha tocado na sua cabeça
trabalhar com engrenagem, “coisa encrencada”. Para ele a palavra mecânica era a
mais importante que existia, lhe encantava, admirava mais dentre todas as
profissões. Certo dia a professora do ensino elementar perguntou aos alunos que
profissão queriam ter quando crescessem e dentre tantas respondidas pelos
colegas de aulas, tais como: doutor, advogado, engenheiro, ele optou diante de
sua ingenuidade por mecânico, pensando ser superior das demais, a melhor e a
mais difícil. Ele ainda ressaltou sobre a inclinação para o ofício do conserto
de automóvel quando menino que “ah minha vontade era essa, eu tinha vontade se
achasse uma oficina para eu trabalhar de baixo de um carro, eu ia até de
graça... eu queria saber que estava lá, para mim era um céu! Mas nunca tive
essa oportunidade”. Filosofando, ele completa sobre o dom que a segunda palavra
importante é “inteligência. Foi retirada do dom. O dom é de dentro, vem de
dentro, se espalha na cabeça... quer dizer, o senhor tá inventando, tá criando
uma coisa sua, ai vai desenrolando...tun, tun, tun... e ai tá com a coisa
feita”.

No entanto até aos 40 anos de vida ainda
esteve na luta vivendo da agricultura. Por volta de 1979 trabalhava de servente
de pedreiro e ao mesmo tempo fazendo ‘biscaite' como mecânico de bicicleta,
quando foi adquirindo as ferramentas e passou a ganhar mais do que trabalhando
como ajudante de mestre de obra. Para base de apoio de conhecimento fez curso
de Mecânica de Automóvel, no Instituto Universal Brasileiro, em ano 1977, por
correspondência, o que hoje seria uma espécie de curso a Distância (EaD).
Como quem sente-se gratificado, quando
residia na cidade no ano de 1986 teve a importante ajuda dos comerciantes: o
saudoso Zezinho Zacarias (Sabino) por lhe fornecer a feira de alimentos no dito
“fiado” e de Mário Marinho, quem lhe emprestou 200 “contos” (cruzados?)
facilitando compra da máquina de soldagem no valor de 500. Como ele disse,
“gato sem unha não briga” depois da aquisição do aparelho indispensável para
oficina as coisas melhoraram fazendo outros serviços mais complexos.
No mês de janeiro de 2021 precisei dos
serviços do artífice em soldagem - Chico Augusto - e senti a simplicidade de um
trabalhador batalhador da mecânica. Percebi também que o mesmo demonstra ter
uma grande admiração pela barragem de Santa Cruz em Apodi. Como registro
importante escritos pintados nas paredes do seu estabelecimento se ver vários
dados referentes à barragem, tais como: a data da primeira sangria acontecida numa
segunda-feira, dia 09/02/2004, às nove horas (ao lado dos dizeres tem algo como
retificação 6/2?); um numeral 1.063.246 3/2m (talvez a capacidade em metros
cúbicos?), e ainda o quantitativo de sacas de cimentos que está lá escrito
5.317.130 unidades. Outra data mencionando a terceira sangria ocorrida em
20/04/2009. Como amigo da barragem, por ter orgulho de monumental obra contra a
seca no Apodi está em andamento a fabricar artefato em modelo de um mini avião
para expor, afixar definitivamente na parede da segunda maior represa d’água do
Rio Grande do Norte, no leito do Rio Apodi. A miniatura da obra inconclusa, se
encontra encostada e paralisada, nos fundos da oficina, como algo que está
abandonada talvez por falta de recursos financeiros. Nos dá pena alguém ter boa
vontade, habilidades artísticas, mas seu estrato econômico lhe impede de deixar
avançar com seus intentos. Falta-lhe ajuda, incentivo e patrocínio.

Quando estive a contratar seu serviço
observei o local de trabalho, aparentemente como toda oficina interiorana, as
ferramentas e demais materiais aleatórios. Se procurava algo, não a encontrava
logo de imediato, pois não sabia exatamente onde tinham deixados. Para
desenroscar parafusos da cadeira lhe faltou a chave Philips, tive de ir comprar
uma que deixei como parte do pagamento pelo serviço. Mas isso é o de menos. Se
tem visto no noticiário científico que “se tem uma mesa desarrumada,
provavelmente será julgado, mas não se preocupe – você é mais inteligente e
criativo. Um estudo da Universidade de Minnesota mostrou que ser
‘desorganizado’ promove o pensamento criativo e estimula novas ideias”
(ver:https://www.astagarelas.com/e-oficial-pessoas-desorganizadas-saomais-inteligentes/).
Chico Augusto se enquadra neste rol!
Não faz o descarte dos resíduos sólidos
produzidos, as sobras dos materiais, durante a realização dos serviços de
fabrico, consertos, etc., ele mesmo os deixa espalhados ao léu, conforme a
necessidade no dia a dia ao pegar novo serviço as usa, faz as devidas
gambiarras, improvisos, mas sempre cuidadoso para um bom resultado. As normas
ISO 14000 (gestão ambiental dentro da empresa), nem pensar. Os arranjos, as
peças engendradas, os reparos realizados em tudo que ele trabalha é de agrado
ao cliente por ser caprichoso na arte mecânica com os resultados atendidos.
Pois é meus caros conterrâneos, dentre nós
existem figuras que são menos percebidas pela aptidão inata, cheias de talentos
para criar, inventar aparelhos rústicos saindo do marasmo do ofício do seu dia
a dia, no entanto são vistas mais pelo desleixo visual e quanto a isto não as
valorizamos. Chico Augusto é um desses apodienses que com suas artes estranhas
expostas, passamos e nem sempre olhamos, se olhamos e não elogiamos, se torna
mais um que cai no esquecimento. Quem sabe, se fossem vistas tais obras
artísticas em outra cidade nos empolgaríamos e até se fotografava, ou não?
Natal, 19 de março de 2021.
Nurim de Bugue
(Nuremberg Ferreira de Souza)