Historicamente, desde "Os
Sertões", de Euclides da Cunha, "O Quinze", de Raquel de
Queiroz, "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, e "Grande Sertão
Veredas", de Guimarães Rosa, que o vasto e imenso território do semiárido
nordestino é visto e abordado pelo viés de fim do mundo, região inóspita. Mas o
Sertão não é só tristeza, fome e abandono.
Fui criado nas paragens do Pajeú das flores
e da poesia fácil que brota do seu leito rachado. Só sai em revoada, como a Asa
Branca, cantada em verso e prosa por Luiz Gonzaga, aos 17 anos. Vivi a infância
sem TV, sem notícias do mundo civilizado até a começar a entender de mundo como
gente pensante.
Vivi noites de trevas que pareciam sem fim
quando quebrava o velho motor de Afogados da Ingazeira, na verdade uma mini
usina de energia a óleo, que jogava sobre nós fachos de claridão.
Nas flores lindas que sonhou em sua
Caruaru, o cantor Petrúcio Amorim diz que nasceu entre o velame e a macambira,
matando a fome com tareco e mariola. Matei a fome com xerém com leite, prato
que mamãe repetia no jantar, quase todos os dias. Mas conheci e provei também
tareco e mariola. Eu e meus oito irmãos.
Nem por isso viramos trapos de gente. Pelo
contrário, o Sertão me deu régua e compasso. Tenho orgulho das minhas origens.
Sou como o mandacaru, resistente a todas as intempéries. O mesmo sol, que faz
mato verde virar caatinga, também turbina minha alma e meu coração com prosa
leve, solta romântica e telúrica. Euclides, Guimarães, Raquel, todos nossos
sabiás das letras, enfim, eram telúricos.
Quando me discriminam por ser sertanejo,
passo na cara deles Rogaciano Leite:
“Senhores críticos, basta!
Deixai-me passar sem pejo,
Que um trovador sertanejo
Vai seu “pinho” dedilhar…
Eu sou da terra onde as almas são todas de
cantadores:
– Sou do Pajeú das Flores –
Tenho razão de cantar!
Não sou um Manoel Bandeira, Drummond, nem
Jorge de Lima; Não espereis obra-prima deste matuto plebeu!…
Eles cantam suas praias,
Palácios de porcelana,
Eu canto a roça, a cabana,
Canto o sertão… que é meu!”…
Esta crônica, de desabafo e também
provocação, foi inspirada pela imagem deste mandacaru florido, enviada pela
minha amiga Tatiana Marques, recifense, mas de coração, alma e espírito
sertanejos. A natureza é perfeita, faz a combinação do verde pátria com o
vermelho da nossa resistência.
Guimarães Rosa disse que o Sertão é onde o
pensamento da gente se forma mais forte do que o lugar. Graciliano Ramos era a
própria encarnação do Sertão. Dizia: "Só posso escrever o que sou. E se os
personagens se comportam de modos diferentes, é porque não sou um só. Sou o
Sertão dentro de mim".
Foi Euclides da Cunha que disse que o
sertanejo é antes de tudo um forte. Com saudade do seu Sertão cearense, Raquel
de Queiroz fez um protesto belo e inusitado para revelar seu amor e apreço
pelas coisa simples da roça: "Por que os doutores, tão ricos em remédios
para o corpo ofendido, não arranjam algum remédio para um ferido coração? Ferido
de saudade do meu Sertão".
Por Magno Martins
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