sexta-feira, 2 de abril de 2021

Chico Augusto um artesão esquecido

Artesão apodiense Chico Augusto

Para quem trafega pela rua Joaquim Teixeira de Moura, exatamente na BR-405, à altura do Posto de Combustíveis União (de Gonzaga), para quem sai da cidade no sentido Mossoró se depara na calçada da oficina de Chico Augusto com um objeto artístico de chamar atenção, principalmente das crianças, embora uma arte rústica, mas que lhe cobrou ideia genial, suor e custos. Uma engenhoca cheia de penduricalhos na estrutura metálica, ventoinhas, bonecos a se movimentarem autonomamente impulsionados pelas correntes dos ventos. Para uns não passa de uma geringonça, já para outros, arte de um escultor.

Mas quem é esse artesão desconhecido ou sem renome? Chico Augusto, de batismo Francisco Augusto Neto, natural de Apodi, precisamente veio ao mundo no sítio Bamburral, no dia 19/07/1950, às 4 horas da madrugada; segundo ele repete o que sua mãe lhe contava do seu nascimento. Essa vocação de mecânico de onde vem? Desde os 9 a 10 anos de idade na escola primária contava a tabuada de “pé a ponta com todos os nove foras”, não tinha dificuldades de aprender. Neste período já lhe tinha tocado na sua cabeça trabalhar com engrenagem, “coisa encrencada”. Para ele a palavra mecânica era a mais importante que existia, lhe encantava, admirava mais dentre todas as profissões. Certo dia a professora do ensino elementar perguntou aos alunos que profissão queriam ter quando crescessem e dentre tantas respondidas pelos colegas de aulas, tais como: doutor, advogado, engenheiro, ele optou diante de sua ingenuidade por mecânico, pensando ser superior das demais, a melhor e a mais difícil. Ele ainda ressaltou sobre a inclinação para o ofício do conserto de automóvel quando menino que “ah minha vontade era essa, eu tinha vontade se achasse uma oficina para eu trabalhar de baixo de um carro, eu ia até de graça... eu queria saber que estava lá, para mim era um céu! Mas nunca tive essa oportunidade”. Filosofando, ele completa sobre o dom que a segunda palavra importante é “inteligência. Foi retirada do dom. O dom é de dentro, vem de dentro, se espalha na cabeça... quer dizer, o senhor tá inventando, tá criando uma coisa sua, ai vai desenrolando...tun, tun, tun... e ai tá com a coisa feita”.

No entanto até aos 40 anos de vida ainda esteve na luta vivendo da agricultura. Por volta de 1979 trabalhava de servente de pedreiro e ao mesmo tempo fazendo ‘biscaite' como mecânico de bicicleta, quando foi adquirindo as ferramentas e passou a ganhar mais do que trabalhando como ajudante de mestre de obra. Para base de apoio de conhecimento fez curso de Mecânica de Automóvel, no Instituto Universal Brasileiro, em ano 1977, por correspondência, o que hoje seria uma espécie de curso a Distância (EaD).

Como quem sente-se gratificado, quando residia na cidade no ano de 1986 teve a importante ajuda dos comerciantes: o saudoso Zezinho Zacarias (Sabino) por lhe fornecer a feira de alimentos no dito “fiado” e de Mário Marinho, quem lhe emprestou 200 “contos” (cruzados?) facilitando compra da máquina de soldagem no valor de 500. Como ele disse, “gato sem unha não briga” depois da aquisição do aparelho indispensável para oficina as coisas melhoraram fazendo outros serviços mais complexos.

No mês de janeiro de 2021 precisei dos serviços do artífice em soldagem - Chico Augusto - e senti a simplicidade de um trabalhador batalhador da mecânica. Percebi também que o mesmo demonstra ter uma grande admiração pela barragem de Santa Cruz em Apodi. Como registro importante escritos pintados nas paredes do seu estabelecimento se ver vários dados referentes à barragem, tais como: a data da primeira sangria acontecida numa segunda-feira, dia 09/02/2004, às nove horas (ao lado dos dizeres tem algo como retificação 6/2?); um numeral 1.063.246 3/2m (talvez a capacidade em metros cúbicos?), e ainda o quantitativo de sacas de cimentos que está lá escrito 5.317.130 unidades. Outra data mencionando a terceira sangria ocorrida em 20/04/2009. Como amigo da barragem, por ter orgulho de monumental obra contra a seca no Apodi está em andamento a fabricar artefato em modelo de um mini avião para expor, afixar definitivamente na parede da segunda maior represa d’água do Rio Grande do Norte, no leito do Rio Apodi. A miniatura da obra inconclusa, se encontra encostada e paralisada, nos fundos da oficina, como algo que está abandonada talvez por falta de recursos financeiros. Nos dá pena alguém ter boa vontade, habilidades artísticas, mas seu estrato econômico lhe impede de deixar avançar com seus intentos. Falta-lhe ajuda, incentivo e patrocínio.

Quando estive a contratar seu serviço observei o local de trabalho, aparentemente como toda oficina interiorana, as ferramentas e demais materiais aleatórios. Se procurava algo, não a encontrava logo de imediato, pois não sabia exatamente onde tinham deixados. Para desenroscar parafusos da cadeira lhe faltou a chave Philips, tive de ir comprar uma que deixei como parte do pagamento pelo serviço. Mas isso é o de menos. Se tem visto no noticiário científico que “se tem uma mesa desarrumada, provavelmente será julgado, mas não se preocupe – você é mais inteligente e criativo. Um estudo da Universidade de Minnesota mostrou que ser ‘desorganizado’ promove o pensamento criativo e estimula novas ideias” (ver:https://www.astagarelas.com/e-oficial-pessoas-desorganizadas-saomais-inteligentes/). Chico Augusto se enquadra neste rol!

Não faz o descarte dos resíduos sólidos produzidos, as sobras dos materiais, durante a realização dos serviços de fabrico, consertos, etc., ele mesmo os deixa espalhados ao léu, conforme a necessidade no dia a dia ao pegar novo serviço as usa, faz as devidas gambiarras, improvisos, mas sempre cuidadoso para um bom resultado. As normas ISO 14000 (gestão ambiental dentro da empresa), nem pensar. Os arranjos, as peças engendradas, os reparos realizados em tudo que ele trabalha é de agrado ao cliente por ser caprichoso na arte mecânica com os resultados atendidos.

Pois é meus caros conterrâneos, dentre nós existem figuras que são menos percebidas pela aptidão inata, cheias de talentos para criar, inventar aparelhos rústicos saindo do marasmo do ofício do seu dia a dia, no entanto são vistas mais pelo desleixo visual e quanto a isto não as valorizamos. Chico Augusto é um desses apodienses que com suas artes estranhas expostas, passamos e nem sempre olhamos, se olhamos e não elogiamos, se torna mais um que cai no esquecimento. Quem sabe, se fossem vistas tais obras artísticas em outra cidade nos empolgaríamos e até se fotografava, ou não?

Natal, 19 de março de 2021.

Nurim de Bugue

(Nuremberg Ferreira de Souza)

Um comentário:

Unknown disse...

Parabenizo o nosso Grande Historiador e memorialista conterrâneo Nuremberg Ferreira de Souza (Nurim de Burgue Dentista e dona Sulinha) pelo relevante e imprescindível resgate deste talentoso artista APODIRNSE. Lamentavelmente entregue à uma injustificável indiferença do Sr. prefeito do município de Apodi que não fomenta a inteligência e a carta deste insuperável gênio popularmente conhecido como Chico Augusto. Lamentavelmente constatamos, com profunda tristeza, o fato dos conterrâneos continuarem pegando pela indiferença aos valores artísticos e culturais da nossa amada e nunca esquecida Apodi, celeiro de Cultura e inteligência potiguar. Acorda Prefeito !. Acorda sociedade Civil apodiense !. Acorda setores produtivos apodienses !. Acorda setor de fruticultura irritada !. Contratam o nosso profícuo Engenheiro sem Diploma para que o mesmo empregue o seu talento na produção de máquinas e suplementos agrícolas a serem empregados na exploração da fruticultura irrigada no município de Apodi e adjacências.