quarta-feira, 29 de abril de 2020

Em tempos de pandemia, a Ética é a primeira vítima

Antes de tudo, ninguém sabe quem tem que viver e quem tem que morrer. É antiético e inaceitável aderir à hipótese de qualquer gestor público negacionista que, no discurso de salvar a economia, relativiza o distanciamento social para infectar rapidamente o maior número de pessoas que, em outras palavras, significa dizer: deixemos morrer as pessoas que não tenham anticorpos suficientes para encarar o vírus e que sobrevivam os que tiverem alta imunidade no contágio pela doença.

Não sou médico e nem agente da área de saúde. Eles têm um código deontológico que os protegem e guiam suas condutas, sobretudo em situação de escassez. Todavia, independente se é da área de saúde ou não, há questões éticas que tocam os limites do nosso agir. A ética não é neutra, cada pessoa tem uma opinião diferente sobre ela. Na hierarquia dos valores, cada um constrói a sua conduta ética a partir da "bolha" social e cultural em que vive.

Por exemplo, cientistas, médicos e agentes de saúde pensam e agem de maneira diferente de militantes de religiões fundamentalistas ou laicas, de negacionistas e conspiracionistas. Darwinistas sociais, ditadores e conservadores dogmáticos se comportam diferente de democratas, populistas e progressistas.

Frente às diversas “éticas”, agora, em tempos de pandemia, a ética médica é a que mais entra em jogo, por lidar com o assombroso problema de escassez de respiradores, UTIs e outros aparatos médicos. Pensando nisso, fiz uma rápida enquete nos meus perfis de mídias sociais (Twitter, Facebook e WhatsApp), para ver quem dos 75 entrevistados escolheriam como prioridade, no tratamento de pacientes com sintomas da Covid-19. A pergunta foi a seguinte:

Chegam 20 pessoas no hospital sem ar nos pulmões, precisando urgentemente de respiradores. O hospital dispõe apenas de cinco. Quem é justo salvar?

Como vemos no gráfico abaixo, das quatro opções de escolhas – 1) as pessoas mais jovens; 2) as pessoas com mais saúde; 3) as pessoas mais doentes; 4) as pessoas mais importantes – a maioria absoluta, 81%, escolheu salvar as pessoas mais doentes. Das demais, 12% escolheram salvar os mais jovens e 7% as com mais saúde.
 
Resultado da enquete feita com 75 pessoas via mídias sociais
Mais relevante do que o resultado final, foi a interação nas redes sociais das pessoas que participaram da enquete. Pelo teor dos comentários, embora a maioria tenha optado em salvar os pacientes mais enfermos, todas revelaram a angústia e indignação por ter que sacrificar vidas por causa da escassez de recursos humanos e de aparatos hospitalares.

Essa angústia, por ter que escolher quem deve ser salvo e quem deve morrer, é uma realidade vivida pelos profissionais da saúde, cotidianamente. É o que eles chamam de "triagem", isto é, quem vem primeiro e quem vem depois.

E aqui visualizamos a relativização do cuidado à vida por parte dos governos. Essa relativização acelera exponencialmente quando a humanidade é pega de surpresa, com doenças com alto nível de contágio.

Por esse motivo, em períodos emergenciais assim, a Ética é assassinada por qualquer governo que não foca toda a sua energia e potencial no tratamento e no combate à doença. É desgraçado mais ainda o gestor público que, preocupado em salvar a economia, revela total indiferença à política de prevenção, ao motivar o povo a abandonar o distanciamento social, expondo à morte todas as pessoas que não dispõem de anticorpos suficientes para enfrentar a Covid-19.

Perguntamo-nos: por que um gestor público, preocupado em salvar a economia, tem a coragem de sacrificar a Ética, expondo à morte milhares de vidas? Na ótica da ética humanística-cristã, a salvação de uma só vida está acima de qualquer salvação material, econômica. Se somos parte de um "todo", cada pessoa humana é um pedaço da gente. Morrendo uma pessoa, morre um pedaço da humanidade.

Diante desse cenário, a maior conduta ética de um governo, ao deparar com uma doença que ataca a todos, sem distinção, deixando sequelas mais letais nas pessoas vulneráveis (crianças, idosos e enfermos), é adiar o máximo possível a proliferação do vírus.

Portanto, se relativizamos a política do distanciamento social, estaremos, desgraçadamente, antecipando a morte de milhares ou milhões de pessoas. Do contrário, se retardamos o contágio do vírus, hipoteticamente, ficaremos mais próximos da descoberta de uma vacina eficaz, o que significaria a cura das pessoas infectadas pela Covid-19.

Por Talvacy Chaves. Clique AQUI e acompanhe o blog do Padre.


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