Antes de tudo, ninguém sabe quem tem que viver e quem tem
que morrer. É antiético e inaceitável aderir à hipótese de qualquer gestor
público negacionista que, no discurso de salvar a economia, relativiza o
distanciamento social para infectar rapidamente o maior número de pessoas que,
em outras palavras, significa dizer: deixemos morrer as pessoas que não tenham
anticorpos suficientes para encarar o vírus e que sobrevivam os que tiverem
alta imunidade no contágio pela doença.
Não sou médico e nem agente da área de saúde. Eles têm um
código deontológico que os protegem e guiam suas condutas, sobretudo em
situação de escassez. Todavia, independente se é da área de saúde ou não,
há questões éticas que tocam os limites do nosso agir. A ética não é neutra,
cada pessoa tem uma opinião diferente sobre ela. Na hierarquia dos valores,
cada um constrói a sua conduta ética a partir da "bolha" social e
cultural em que vive.
Por exemplo, cientistas, médicos e agentes de saúde
pensam e agem de maneira diferente de militantes de religiões fundamentalistas
ou laicas, de negacionistas e conspiracionistas. Darwinistas sociais, ditadores
e conservadores dogmáticos se comportam diferente de democratas, populistas e
progressistas.
Frente às diversas “éticas”, agora, em tempos de
pandemia, a ética médica é a que mais entra em jogo, por lidar com o assombroso
problema de escassez de respiradores, UTIs e outros aparatos médicos. Pensando
nisso, fiz uma rápida enquete nos meus perfis de mídias sociais (Twitter,
Facebook e WhatsApp), para ver quem dos 75 entrevistados escolheriam como
prioridade, no tratamento de pacientes com sintomas da Covid-19. A pergunta foi
a seguinte:
Chegam 20 pessoas no hospital sem ar nos pulmões,
precisando urgentemente de respiradores. O hospital dispõe apenas de cinco.
Quem é justo salvar?
Como vemos no gráfico abaixo, das quatro opções de
escolhas – 1) as pessoas mais jovens; 2) as pessoas com mais saúde; 3) as
pessoas mais doentes; 4) as pessoas mais importantes – a maioria absoluta, 81%,
escolheu salvar as pessoas mais doentes. Das demais, 12% escolheram salvar os
mais jovens e 7% as com mais saúde.
Mais relevante do que o resultado final, foi a interação
nas redes sociais das pessoas que participaram da enquete. Pelo teor dos
comentários, embora a maioria tenha optado em salvar os pacientes mais
enfermos, todas revelaram a angústia e indignação por ter que sacrificar vidas
por causa da escassez de recursos humanos e de aparatos hospitalares.
Essa angústia, por ter que escolher quem deve ser salvo e
quem deve morrer, é uma realidade vivida pelos profissionais da saúde,
cotidianamente. É o que eles chamam de "triagem", isto é, quem vem
primeiro e quem vem depois.
E aqui visualizamos a relativização do cuidado à vida por
parte dos governos. Essa relativização acelera exponencialmente quando a
humanidade é pega de surpresa, com doenças com alto nível de contágio.
Por esse motivo, em períodos emergenciais assim, a Ética
é assassinada por qualquer governo que não foca toda a sua energia e potencial
no tratamento e no combate à doença. É desgraçado mais ainda o gestor público
que, preocupado em salvar a economia, revela total indiferença à política de
prevenção, ao motivar o povo a abandonar o distanciamento social, expondo à
morte todas as pessoas que não dispõem de anticorpos suficientes para enfrentar
a Covid-19.
Perguntamo-nos: por que um gestor público, preocupado em
salvar a economia, tem a coragem de sacrificar a Ética, expondo à morte
milhares de vidas? Na ótica da ética humanística-cristã, a salvação de uma só
vida está acima de qualquer salvação material, econômica. Se somos parte de um
"todo", cada pessoa humana é um pedaço da gente. Morrendo uma pessoa,
morre um pedaço da humanidade.
Diante desse cenário, a maior conduta ética de um governo,
ao deparar com uma doença que ataca a todos, sem distinção, deixando sequelas
mais letais nas pessoas vulneráveis (crianças, idosos e enfermos), é adiar o
máximo possível a proliferação do vírus.
Portanto, se relativizamos a política do distanciamento
social, estaremos, desgraçadamente, antecipando a morte de milhares ou milhões
de pessoas. Do contrário, se retardamos o contágio do vírus, hipoteticamente,
ficaremos mais próximos da descoberta de uma vacina eficaz, o que significaria
a cura das pessoas infectadas pela Covid-19.
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