A professora e historiadora Luana Tolentino viralizou nas
redes sociais após relatar um caso de racismo sofrido em Belo Horizonte. Na
quarta 19, a docente caminhava pela rua quando foi abordada por uma senhora
branca que perguntou se ela fazia faxina. Luana escreveu um depoimento sobre o
caso, refletindo sobre os impactos do racismo na sociedade.
Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu fazia
faxina.
Altiva e segura, respondi:
– Não. Faço mestrado. Sou professora.
Da boca dela não ouvi mais nenhuma palavra. Acho que a
incredulidade e o constrangimento impediram que ela dissesse qualquer coisa.
Não me senti ofendida com a pergunta. Durante uma
passagem da minha vida arrumei casas, lavei banheiros e limpei quintais. Foi
com o dinheiro que recebia que por diversas vezes ajudei minha mãe a comprar
comida e consegui pagar o primeiro período da faculdade.
O que me deixa indignada e entristecida é perceber o
quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora só
perguntou se eu faço faxina porque carrego no corpo a pele escura.
No imaginário social está arraigada a ideia de que nós
negros devemos ocupar somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca
escolaridade. Quando se trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar
seja o da empregada doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da
catadora de papel.
É esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse no
meu primeiro dia de trabalho se eu estava procurando vaga para serviços gerais.
É essa mentalidade que levou um porteiro a perguntar se eu era a faxineira de
uma amiga que fui visitar. É essa construção racista que induziu uma
recepcionista da cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência, a maior
honraria concedida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, a questionar se fui
convidada por alguém, quando na verdade, eu era uma das homenageadas.
Não importa os caminhos que a vida me leve, os espaços
que eu transite, os títulos que eu venha a ter, os prêmios que eu receba.
Perguntas como a feita pela senhora que nem sequer sei o nome em algum momento
ecoarão nos meus ouvidos. É o que nos lembra o grande Mestre Milton Santos:
“Quando se é negro, é evidente que não se pode ser outra
coisa, só excepcionalmente não se será o pobre, (…) não será humilhado, porque
a questão central é a humilhação cotidiana. Ninguém escapa, não importa que
fique rico.”
É o que também afirma Ângela Davis. E ela vai além.
Segundo a intelectual negra norte-americana, sempre haverá alguém para nos
chamar de “macaca/o”. Desde a tenra idade os brancos sabem que nenhum outro
xingamento fere de maneira tão profunda a nossa alma e a nossa dignidade.
O racismo é uma chaga da humanidade. Dificilmente as
manifestações racistas serão extirpadas por completo. Em função disso, Ângela
Davis nos encoraja a concentrar todos os nossos esforços no combate ao racismo
institucional.
É o racismo institucional que cria mecanismos para a
construção de imagens que nos depreciam e inferiorizam.
É ele que empurra a população negra para a pobreza e para
a miséria. No Brasil, “a pobreza tem cor. A pobreza é negra.”
É o racismo institucional que impede que os crimes de
racismo sejam punidos.
É ele também que impõe à população negra os maiores
índices de analfabetismo e evasão escolar.
É o racismo institucional que “autoriza” a polícia a
executar jovens negros com tiros de fuzil na cabeça, na nuca e nas costas.
É o racismo institucional que faz com que as mulheres
negras sejam as maiores vítimas da mortalidade materna.
É o racismo institucional que alija os negros dos espaços
de poder.
O racismo institucional é
o nosso maior inimigo. É contra ele que devemos lutar.