Por Angelo Castello
Branco
O passado está fora de alcance. Repousa inerte no mesmo
espaço dos sonhos. O passado e os sonhos são irmãos siameses. Pertencem ao
mundo da abstração. A vida é abstração. Impossível recompor circunstâncias
vividas e sensações recolhidas de um momento qualquer. Às vezes uma música, um
odor casual, um livro ou uma paisagem podem até fazer uma ponte imaginária ao
passado. Mas se por acaso encontrarmos algo intacto, logo percebemos que nós já
não somos mais os mesmos.
Caminho pelo secular corredor do casarão cercado de
árvores e ares onde vivi. Tudo está no lugar, mas não sou eu quem lá está. Ouço
sons, o fogão de lenha está aceso, há uma saladeira de cristal vermelho sobre a
mesa e pedras de gelo sobre as frutas cortadas em cubos minúsculos.
Ouço o barulho de mangas que despencam maduras e sinto o
cheiro de pão assando, de grude afro indígena servido na folha da bananeira, de
arroz doce e do café. Há cajus, carambolas, goiabas, pitangas, azeitonas e
tamarindos. Sob o seu tronco majestático o jambeiro estende um tapete vermelho
anunciando a proximidade do Natal. Era o melhor cartão de boas festas que
recebia como um presente da própria natureza.
O tempo, no entanto, cumpriu o seu dever e encantou as
árvores, o fogão, as sensações que varriam o corpo e a mente, e mais ainda, as
pessoas daquele entorno. Os que partiram deixaram de ser vistos e os que
ficaram buscam. Inutilmente o lugar à mesa e a pitanga azedinha que se abstraiu.
O espírito do Natal, no entanto, perdura e contagia na
mágica presença alegre e inteligente dos filhos, do neto Felipe, e de amigos
como vocês a mostrar que o século virou e os tempos mudaram, mas a alegria e o
sentido da vida permanecem intactos no curso do generoso milagre da
existência.
No mais, sempre bom se perceber que uma garrafa de
champanhe nos faz mais inteligente e nos deixa normal.
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