Você já cruzou com alguém assim.
Pode ter sido o porteiro de um prédio, o segurança de um shopping ou mesmo um
profissional de outra área qualquer a quem foi atribuído um conjunto de regras
que o sujeito deve ajudar a impor.
E ele o faz, sem pestanejar, tornando-se o Senhor Supremo daquelas pequenas
normas.
O que eram para ser regras de convívio, passam a ter peso de Constituição, que
ele impõe com rigor de fé, sem dó nem piedade.
E pobre de quem entrar com o cachorro pela porta social.
Pequenos Poderes revelam o ditador medíocre que existe dentro da gente. E são o
álibi que permite transformar autocrítica em autoafirmação.
Pequenos Poderes são mais evidentes em gente ignorante, tacanha, que boa parte
da vida apenas recebeu ordens e agora, subitamente, pode mandar.
Mas não pense que os Pequenos Poderes são característicos apenas de gente
simples.
Que nada.
Está aí o nosso presidente que não me deixa mentir.
Na época da eleição, quando eu dizia que Bolsonaro era um perigo não apenas
porque era um completo despreparado, mas porque trazia de volta um ranço
ditatorial que a gente levou 30 anos para se livrar, tomei muita pedrada.
Pedrada de gente que não enxergava, ou não enxerga até hoje, a vocação do
presidente a exercer esses Pequenos Poderes.
Bolsonaro é esse cara que nunca deu ordens. Sempre recebeu.
Como militar convidado a se retirar ou como baixo clero, nunca foi protagonista
de nada.
Estava na cara que, uma vez presidente, ia se lambuzar de poder.
Aí está.
O zelador do país.
Lembram quando ele censurou um filme do Banco do Brasil porque não condizia com
seus próprios valores? Então.
Ontem, deu no Meio, mais essa do mandatário:
“Agora pouco, o Osmar Terra e eu fomos para um canto e
nos acertamos. Não posso admitir que, com dinheiro público, se façam filmes
como o da Bruna Surfistinha. Não dá. Ele apresentou propostas sobre a Ancine,
para trazer para Brasília.”
O que mais me preocupa nessa frase, não é a censura
implícita a um tema específico. O que mais me preocupa é o “não posso admitir”,
assim, na primeira pessoa.
Ele não pode admitir.
E por isso, 200 milhões de brasileiros terão que se submeter a seja lá o que
ele decidir.
Percebem?
Governar na primeira pessoa é o que este homem faz.
De grão em grão, vai infiltrando seus preconceitos e seu despreparo em nossa
Cultura.
Na Educação.
Na vida cotidiana.
E nós, como temos mais o que pensar, vamos aceitando seus Pequenos
Poderes.
Quer prova maior de nossa conivência do que essa história de colocar o filho na
embaixada de Washington?
Essa terrível ideia de colocar seu próprio filho como embaixador nos EUA é, de
novo, governar em primeira pessoa.
Não importa o interesse do país. Interessa apenas sua própria agenda.
E os bolsominions batem tambor para ele dançar.
Se lambuzam por tabela quando percebem que o sujeito vai botar ordem na casa.
Vai acabar com essa libertinagem dos gays pra lá e pra cá. Vai botar ordem
nesse país que estava uma bagunça. Vai acabar com essa besteira de estudar
filosofia.
Porque, aos poucos, os Pequenos Poderes contaminam outros poderes.
E liderar na primeira pessoa vira algo aceitável.
Vejam o Toffoli:
A Receita Federal começou a pedir explicações a empresas que contrataram os serviços
de sua mulher. As investigações incluíam também a mulher de Gilmar
Mendes.
Pois exercendo seu poder de primeira pessoa, Toffoli proibiu que Receita
informe o Ministério Público sobre irregularidades que encontrarem sem
consultar, antes, o Judiciário.
É tudo a mesma coisa, percebe?
Tudo parte dessa nova ética que vai se estabelecendo pouco a pouco.
É assim que vamos perdendo a liberdade.
Não é com tanques na rua.
É bem pior que isso.
Por Mentor Neto
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