Por Marcos Pinto
Na alternância
dos fatos históricos, a pesquisa reúne mecanismos ligados ao tempo, à pessoa e
ao meio, por razões que pré-existiam ao acontecimento. Dado esta conclusão, não
devemos nos limitar à tarefa de preencher vazios e lacunas existentes na
historiografia. Constata-se uma espécie de indução ao caldeamento da raça, que
resultou em investidas para a ocupação e fixação de famílias pioneiras, em
terras nunca dantes imagináveis à presença do elemento branco, afirmando homens
e mulheres pela inteligência, amadurecimento e idealismo. Formaram-se relações
tão fortes na comunhão dos destinos de bravas famílias, muitas vezes apurando o
gosto da amizade no prazer da convivência nos ermos e rústicos sertões.
A primeira notícia
da presença de um componente da família Câmara nos sertões do Assu e do Apodi
remonta ao ano de 1687, quando o Coronel Antonio de Albuquerque da Câmara
recebera Provisão de 06 de Setembro de 1687 determinando que ele reunisse todo
o pessoa disponível das Ordenanças e as forças que viessem de Pernambuco e
Paraíba e seguisse sem demora a combater as tribos indígenas sublevadas do Assu
e do Apodi. Estas expedições militares de cunho repressor desencadeou um
detestável processo de abuso de autoridade que geralmente culminava em preagem
e sequestro de jovens índias para mancebia ou casamento.
Há um relevante
trabalho de pesquisa genealógica sobre a presença da família Câmara no Ceará e
no Rio Grande do Norte, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte (IHGRN) Vols. LXXV-LXXVI – Anos 11983-1984, de autoria
do famoso historiador cearense Eduardo Bezerra Neto, com o título “Um estudo
inédito de Câmara Cascudo (I)”. Analisando de forma minuciosa a ascendência
remota da família Câmara, encontrei indícios que sinalizam para a possibilidade
de que a matriarca Antonia da Silva, que veio a casar com o português Manoel
Raposo da Câmara fora uma índia da Aldeia
Jesuíta do Padre Philipe Bourel, que a fundou em 10 de Janeiro de 1700. Suponho
que a mesma tenho sido uma das muitas índias raptadas pelas expedições
militares feitas aqueles ignotos rincões, principalmente pela Entrada comandado
pelo Sargento-Mór Manoel da Silva Vieira em 1689, quando acompanhou o retorno
do também Sargento-Mór de Entradas Manoel Nogueira Ferreira, que fundara
aquelas plagas em 19 de Abril de 1680. Dentre os filhos de D. Antonia destaco
os filhos Vitorino da Silva Câmara e Rosa Maria do Espírito Santo. Em seu
testamento, Antonia da Silva omite os nomes de seus pais, deliberadamente
ocultando a sua etnia indígena, tendo falecido a 25.07.1785. Seu assento de
óbito revela, mais uma vez, a omissão dos nomes dos genitores : “Faleceu da
vida presente D. Antonia da Silva, mulher viúva, de idade de cem anos, pouco
mais ou menos”.(FONTE: Revista acima citada - pág. 16). Um filho da índia
Antonia da Silva e Manoel Raposo da Câmara, de nome Vitorino da Silva Câmara,
seguindo a linhagem étnica materna casa-se com a índia, também do Apodi, Joana
Maria de Jesus Monte. Novamente os historiadores omitem os nomes dos pais dela.
O Barão de Sudart informa, apenas, que eram naturais do Rio Grande do Norte. (FONTE:
Dicionário Biobibliográfico Cearense, Vol. 2, pág. 26).
Para responder às
lacunas genealógicas suscitadas quanto à paternidade indígena de Joana Maria de
Jesus Monte, faço a seguinte abordagem: Em 1689 o soldado João do Monte “tomou
parte na marcha que se fez do Olho D’água (Assu-RN) aos rios Paneminha e Panema
Grande, até a lagoa Pody”. (FONTE: “A Guerra nos Palmares” – Ernesto Enes –
Vol. 127 – Coleção Brasiliana”, e “Gente do Séc. XVII na Ribeira de Mossoró” -
Vingt-Un Rosado, Jornal “O Mossoroense”, edição de 01.12.1946). Corroboro estas
minudências com minha pesquisa efetuada no primeiro livro de Óbitos da
Igreja-Matriz do Apody, do período 1766-1776, da lavra do primeiro Cura das
Várzeas do Apody, o pernambucano João da Cunha Paiva, que intitulou dito livro
como “Atestados de Óbitos das Várzeas do Apody”. Este Tomo reúne um manancial
histórico-genealógico, que compõe o acervo do IHGRN. Neste livro consta o óbito
de “Maria, falecida em 1776, filha de João de Montes (Índio)”. Supõe-se,
pois, que o soldado João do Monte,
acima citado, tivera relacionamento amoroso com uma índia, quando esteve em
Apodi, em confronto com a indiada Tapuia Paiacus. Desse conúbio amoroso teria
nascido esse índio João de Montes e Joana Maria de Jesus Monte, que veio a
casar com Vitorino da Silva Câmara. (Vide “Anotações do Primeiro livro de
Óbitos da Ribeira do Apodi”, por Marcos Filgueira, e que está disponível na
Net.
Em seu notável
trabalho genealógico intitulado Câmaras”, o Mestre Câmara Cascudo (Vide Revista
citada) faz referência a um filho de Vitorino da Silva Câmara, de nome João
Paulo da Silva Câmara, que alguns historiadores afirmam ter nascido em Aracati,
no vizinho estado do Ceará. Em pesquisa que fiz em um livro de batizados da
Igreja-Matriz de Apodi, do período 1820-1827, lavrado pelo erudito Padre
Faustino Gomes de Oliveira, encontrei o assento de batismo de “ RICARTE,
batizado na Matriz de Apody a 11.07.1826, nascido a 04.02.1826, filho de João
Paulo da Silva e Antonia Maria, Padrinhos Caetano Gomes de Oliveira e Isabel
Maria. Estranha-se o fato do Padre Faustino ter omitido o referencial familiar
Câmara no nome de João Paulo. Este Caetano era casado com Rosa Maria do E.
Santo, irmã de Vitorino, e filhos do português Manoel Raposo da Câmara e
Antonia da Silva. Caetano e Rosa residiam em seu sítio de nome Santa Rosa (Apodi),
tendo Caetano falecido no seu sítio a 26.04.1839, e Rosa falecido a 01.06.1840.
A madrinha Isabel Maria é a mesma Isabel Maria de Jesus, filha de Caetano/Rosa,
que veio a casar com Manoel Gomes do Rêgo, e foram pais do renomado historiador
apodiense Manoel Antonio de Oliveira Coriolano (05.01.1835/ 28.12.1922).
O patriarca João
Paulo da Silva Câmara casou com a sua prima legítima Antonia Maria da
Conceição, filha de Caetano Gomes de Oliveira e Rosa Maria do Espírito Santo.
João Paulo faleceu em Apodi e foi inventariado no ano de 1876. Ricarte Soares
da Silva Raposo da Câmara residia em Apodi e casou em 26.09.1848 com sua prima
legítima Maria José do Nascimento, filha do irmão do seu pai o Sr.João Pedro da
Silva Câmara e de Francisca Maria da Conceição (Inventariada em Apodi em 1830.
(FONTE: Relação dos inventários do 1º Cartório Judiciário de Apodi). A quem
interessar tenho cópias dos inventários de Caetano Gomes de Oliveira e sua
esposa Rosa Maria do E. Santo.
“Homens do campo
ou preadores de índios, combatentes ou sesmeiros, todos fixado ali os rumos da
sobrevivência pelo espírito da resistência com que nossos antepassados souberam
enfrentar as adversidades de uma longa campanha, espécie de guerra sem quartel,
que fora o levante dos índios do Assu e o combate da Lagoa do Apody. (Raimundo
Nonato - “Zona do Por do Sol” - pág. 44). INTÉ.
Marcos Pinto é
historiador e advogado.
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