domingo, 31 de março de 2019

Família Câmara - A Etnicidade encoberta

Por Marcos Pinto

Na alternância dos fatos históricos, a pesquisa reúne mecanismos ligados ao tempo, à pessoa e ao meio, por razões que pré-existiam ao acontecimento. Dado esta conclusão, não devemos nos limitar à tarefa de preencher vazios e lacunas existentes na historiografia. Constata-se uma espécie de indução ao caldeamento da raça, que resultou em investidas para a ocupação e fixação de famílias pioneiras, em terras nunca dantes imagináveis à presença do elemento branco, afirmando homens e mulheres pela inteligência, amadurecimento e idealismo. Formaram-se relações tão fortes na comunhão dos destinos de bravas famílias, muitas vezes apurando o gosto da amizade no prazer da convivência nos ermos e rústicos sertões.

A primeira notícia da presença de um componente da família Câmara nos sertões do Assu e do Apodi remonta ao ano de 1687, quando o Coronel Antonio de Albuquerque da Câmara recebera Provisão de 06 de Setembro de 1687 determinando que ele reunisse todo o pessoa disponível das Ordenanças e as forças que viessem de Pernambuco e Paraíba e seguisse sem demora a combater as tribos indígenas sublevadas do Assu e do Apodi. Estas expedições militares de cunho repressor desencadeou um detestável processo de abuso de autoridade que geralmente culminava em preagem e sequestro de jovens índias para mancebia ou casamento.

Há um relevante trabalho de pesquisa genealógica sobre a presença da família Câmara no Ceará e no Rio Grande do Norte, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN) Vols. LXXV-LXXVI – Anos 11983-1984, de autoria do famoso historiador cearense Eduardo Bezerra Neto, com o título “Um estudo inédito de Câmara Cascudo (I)”. Analisando de forma minuciosa a ascendência remota da família Câmara, encontrei indícios que sinalizam para a possibilidade de que a matriarca Antonia da Silva, que veio a casar com o português Manoel Raposo da Câmara fora uma índia da Aldeia Jesuíta do Padre Philipe Bourel, que a fundou em 10 de Janeiro de 1700. Suponho que a mesma tenho sido uma das muitas índias raptadas pelas expedições militares feitas aqueles ignotos rincões, principalmente pela Entrada comandado pelo Sargento-Mór Manoel da Silva Vieira em 1689, quando acompanhou o retorno do também Sargento-Mór de Entradas Manoel Nogueira Ferreira, que fundara aquelas plagas em 19 de Abril de 1680. Dentre os filhos de D. Antonia destaco os filhos Vitorino da Silva Câmara e Rosa Maria do Espírito Santo. Em seu testamento, Antonia da Silva omite os nomes de seus pais, deliberadamente ocultando a sua etnia indígena, tendo falecido a 25.07.1785. Seu assento de óbito revela, mais uma vez, a omissão dos nomes dos genitores : “Faleceu da vida presente D. Antonia da Silva, mulher viúva, de idade de cem anos, pouco mais ou menos”.(FONTE: Revista acima citada - pág. 16). Um filho da índia Antonia da Silva e Manoel Raposo da Câmara, de nome Vitorino da Silva Câmara, seguindo a linhagem étnica materna casa-se com a índia, também do Apodi, Joana Maria de Jesus Monte. Novamente os historiadores omitem os nomes dos pais dela. O Barão de Sudart informa, apenas, que eram naturais do Rio Grande do Norte. (FONTE: Dicionário Biobibliográfico Cearense, Vol. 2, pág. 26).

Para responder às lacunas genealógicas suscitadas quanto à paternidade indígena de Joana Maria de Jesus Monte, faço a seguinte abordagem: Em 1689 o soldado João do Monte “tomou parte na marcha que se fez do Olho D’água (Assu-RN) aos rios Paneminha e Panema Grande, até a lagoa Pody”. (FONTE: “A Guerra nos Palmares” – Ernesto Enes – Vol. 127 – Coleção Brasiliana”, e “Gente do Séc. XVII na Ribeira de Mossoró” - Vingt-Un Rosado, Jornal “O Mossoroense”, edição de 01.12.1946). Corroboro estas minudências com minha pesquisa efetuada no primeiro livro de Óbitos da Igreja-Matriz do Apody, do período 1766-1776, da lavra do primeiro Cura das Várzeas do Apody, o pernambucano João da Cunha Paiva, que intitulou dito livro como “Atestados de Óbitos das Várzeas do Apody”. Este Tomo reúne um manancial histórico-genealógico, que compõe o acervo do IHGRN. Neste livro consta o óbito de “Maria, falecida em 1776, filha de João de Montes (Índio)”. Supõe-se, pois, que o soldado João do Monte, acima citado, tivera relacionamento amoroso com uma índia, quando esteve em Apodi, em confronto com a indiada Tapuia Paiacus. Desse conúbio amoroso teria nascido esse índio João de Montes e Joana Maria de Jesus Monte, que veio a casar com Vitorino da Silva Câmara. (Vide “Anotações do Primeiro livro de Óbitos da Ribeira do Apodi”, por Marcos Filgueira, e que está disponível na Net.

Em seu notável trabalho genealógico intitulado Câmaras”, o Mestre Câmara Cascudo (Vide Revista citada) faz referência a um filho de Vitorino da Silva Câmara, de nome João Paulo da Silva Câmara, que alguns historiadores afirmam ter nascido em Aracati, no vizinho estado do Ceará. Em pesquisa que fiz em um livro de batizados da Igreja-Matriz de Apodi, do período 1820-1827, lavrado pelo erudito Padre Faustino Gomes de Oliveira, encontrei o assento de batismo de “ RICARTE, batizado na Matriz de Apody a 11.07.1826, nascido a 04.02.1826, filho de João Paulo da Silva e Antonia Maria, Padrinhos Caetano Gomes de Oliveira e Isabel Maria. Estranha-se o fato do Padre Faustino ter omitido o referencial familiar Câmara no nome de João Paulo. Este Caetano era casado com Rosa Maria do E. Santo, irmã de Vitorino, e filhos do português Manoel Raposo da Câmara e Antonia da Silva. Caetano e Rosa residiam em seu sítio de nome Santa Rosa (Apodi), tendo Caetano falecido no seu sítio a 26.04.1839, e Rosa falecido a 01.06.1840. A madrinha Isabel Maria é a mesma Isabel Maria de Jesus, filha de Caetano/Rosa, que veio a casar com Manoel Gomes do Rêgo, e foram pais do renomado historiador apodiense Manoel Antonio de Oliveira Coriolano (05.01.1835/ 28.12.1922).

O patriarca João Paulo da Silva Câmara casou com a sua prima legítima Antonia Maria da Conceição, filha de Caetano Gomes de Oliveira e Rosa Maria do Espírito Santo. João Paulo faleceu em Apodi e foi inventariado no ano de 1876. Ricarte Soares da Silva Raposo da Câmara residia em Apodi e casou em 26.09.1848 com sua prima legítima Maria José do Nascimento, filha do irmão do seu pai o Sr.João Pedro da Silva Câmara e de Francisca Maria da Conceição (Inventariada em Apodi em 1830. (FONTE: Relação dos inventários do 1º Cartório Judiciário de Apodi). A quem interessar tenho cópias dos inventários de Caetano Gomes de Oliveira e sua esposa Rosa Maria do E. Santo.

“Homens do campo ou preadores de índios, combatentes ou sesmeiros, todos fixado ali os rumos da sobrevivência pelo espírito da resistência com que nossos antepassados souberam enfrentar as adversidades de uma longa campanha, espécie de guerra sem quartel, que fora o levante dos índios do Assu e o combate da Lagoa do Apody. (Raimundo Nonato - “Zona do Por do Sol” - pág. 44). INTÉ.

Marcos Pinto é historiador e advogado.

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