Por Marcos Pinto
A sistemática e truculenta
colonização e povoamento dos ermos sertões
potiguares traz em seus anais históricos
a detestável configuração eivada de
interesses escusos, de ordem econômica da Corte
portuguesa. Nesta singularidade, sobeja a ostensiva
participação da religião católica
entremeando a sua emblemática e
poderosa cruz, protagonizando acentuada conivência
voluntariosa diante as atrocidades cometidas
pelas incursões exploradoras, geralmente de cunho
militar e exterminador do gentio indígena. Eram
comandadas por Sargentos-Móres e Capitães-Móres,
auxiliados por pessoas de menor patente e
também recrutadas entre o próprio gentio
tornado cativo. No fundo estava o
ciúme do mando e o interesse pecuniário
em jogo.
Houve Padre catequizador dos
índios do Jaguaribe que, instado acerca dos
crimes cometidos contra a indiada hostil,
respondia que as Expedições deveriam
queimar madeira seca e também a madeira
verde, ou seja, os catequizados e os não
catequizados, mesmo já tendo sido batizados
por eles. Estas incursões promoviam
constantes deslocamentos de tribos indígenas
belicosas, permutando índios dos sertões do
Apodi com os dos sertões do Jaguaribe.
Os historiadores cearenses citam
como exemplo a fixação de tapuias
paiacus para povoar a atual região de
Pacajus-CE, oriundos da Lagoa do Apodi, de
onde foram coercitivamente arrancados do seu feudo
natural e conduzidos por força militar
comandada pelo Desembargador Soares Reymão.
Em 1694 o Capitão Francisco
Dias de Carvalho comandou uma expedição
na qual adotava as mais terríveis e
cruéis táticas de dominação e extermínio,
com fim específico de ocultação das
tiranias cometidas. Geralmente faziam uma espécie
de triagem na preagem, preferindo Columins
e Cunhãs, além de robustos índios de
meia idade, muito procurados pelos senhores
de Engenho de Cana-de-Açúcar, para utilização
de mão-de-obra no campo e na moagem.
A Coroa portuguesa dava-lhes
cobertura para que, com a venda dos
índios feito cativos na tal “Guerra
Justa”, ser pago O quinto do total
da venda à Coroa. Estes traslados
indígenas eram guiados por uma pessoa
que tinha a função denominada de
“Prático do Sertão”, personagem conhecedor dos
caminhos e estratégias indispensáveis à
mobilidade das Expedições.
Em 1740 o português Domingos João
Campos foi enviado pelo Capitão-Mór da
então Capitania do Rio Grande, Francisco
Xavier de Miranda Henriques, para efetuar
medições e demarcações nas terras que
compreendiam a Ribeira do Apodi. O seu
Ofício de Agrimensor era feito mediante
escolta militar, feita pelo célebre Sargento-Mór
Manoel da Silva Vieira, famanaz preador de
índios nos sertões do Apodi e do
Jaguaribe.
Dentre as famosas escaramuças
promovidas por este diabólico patenteado
Vieira destaca-se a que se deu quando
o Agrimensor encontrava-se demarcando em fase
final a famosa e fértil “Data de Sesmaria
“Boqueirão”,(Apodi-RN), cuja medição totalizava três léguas
de comprimento por uma de largura,
começando dos lugares Brejo e Boqueirão,
e terminando no lugar Várzea da Salina,
vizinho à Data “Santa Rosa”.
Conta a tradição oral que o
agrimensor vira passar bonita Cunhã
em terreno descampado perto do lugar
“Lagoa Redonda”, tendo de imediato determinado
ao ajudante militar que empreendesse meios
para apreender tão garbosa adolescente, no que
o mesmo obedeceu saindo em desabalada
carreira montado em seu fogoso cavalo alazão,
tendo alcançado logo, descendo do cavalo e
a imobilizando pelas mãos e pés com
cordas que trazia à tiracolo. A partir
deste evento de tormentoso sequestro da
indiazinha tapuia, tal lugar ficou sendo
conhecido como a “Várzea da Carreira”.
A conclusão da Demarcação da Data
do “Boqueirão” deu-se a 2.04.1740. Com o passar
dos anos e dos sucessivos entrelaçamentos entre
ocorridos entre índios e elementos componentes
das famílias pioneiras, as terras que ficam
nos arredores da Várzea da Carreira
passaram a receber a denominação de “Tabuleiro
dos Caboclos”, passando depois à atual
denominação de sítio “Bico Torto”. Como já
tinha uns índios feitos cativos, o
Sargento-Mór Vieira incorporou dita índia à essa
turma de cativos indígenas.
Ao chegar à cidade do
Natal o Sargento-Mór Manoel da Silva
Vieira vendeu a dita Cunhã ao Capitão
Hilário de Castro Rocha, que para ocultar
a etnia da mesma fez constar nos
registros da Igreja como tendo sido
exposta em sua residência, dando-lhe nome
familiar da sua esposa Maria Madalena de
Mendonça, passando a índia a ter o nome
de Rosa Maria de Mendonça.
Surge fato histórico emblemático quando
o português Domingos João Campos se
casa com a referida índia Rosa Maria
de Mendonça em 24.11.1745, tendo prole
de 08 filhos.. Outro fato histórico
digno de menção refere-se ao casamento
de um filho do Domingos o Sr. José
Fernandes Campos (O 1º) com uma filha do
tal Sargento-Mór Manoel da Silva Vieira, de
nome Ana Antônia da Conceição. Desse
venturoso casal nasceu José Fernandes Campos
(o 2º), que nasceu em Natal a 15.08.1775, tendo
casado casou com Joana Gomes de Jesus, e
passado a residir em Apodi no seu
sítio “Baixa Grande”, perto do feudo indígena dos
Fernandes Campos, denominado de “Lagoa Redonda”, perto do lugar
onde nascera a sua avó raptada.
Este segundo José Fernandes
Campos faleceu em seu sítio em Julho
de 1848, deixando a viúva e nove filho
(Tenho cópias do inventário, para quem interessar possa). Esta
iniciativa do neto de Domingos João Campos
fixar residência nas terras de origem da
sua avó paterna conduz à certeza de
que a tradição oral corrente no seio
dos “Fernandes Campos” do Apodi
concretiza a veracidade da etnia indígena
desta tradicional família do rincão apodiense.
Café Filho: origem indígena (Foto: arquivo) |
Uma irmã deste segundo José
Fernandes Campos, de nome Ana Clara de
Jesus, casa-se em 09.07.1789 com Francisco
Xavier da Câmara, filho de Antonio Câmara
da Silva, que por sua vez era irmão tio
paterno de João Paulo da Silva Câmara, João Pedro
da Silva Câmara e Francisco Paulo da Silva
Câmara, residentes no sitio “Santa Rosa”, em
Apodi, onde faleceram e foram inventariados.
Esta honrada e tradicional família
apodiense Fernandes Campos é conhecida
popularmente como sendo a família dos “FONOM”, apelido
que surgiu devido ao fato da maioria
de seus membros apresentar a voz anasalada.
O Ex-Presidente da República João
Café Filho, natural de Natal-RN, cujo nome civil
oficial era João Fernandes Campos Café
Filho fez retificação judicial do seu nome,
que passou a ser João Café Filho,
retirando, assim, o referencial familiar
tradicional FERNANDES CAMPOS, quem sabe com
objetivo de dar continuidade a
encoberta da etnicidade.
Café Filho descende de um filho
do português Domingos João Campos/Rosa Maria
de Mendonça, de nome Manuel Fernandes
Campos,(F.1) que por sua vez foi pai de
Lourenço Fernandes Campos (N.1), que foi
pai de Lourenço Fernandes Campos Júnior (BN.1),
que foi pai de João Fernandes
Campos Café (TN.1 – * 16.04.1865), que foi pai de
João Fernandes Campos Café Filho (Café Filho
- Natal *03.02.1899/ Rio de Janeiro + 20.02.1970).
E assim, resta comprovado o parentesco da
humilde família apodiense Fernandes Campos
(Fonom) com o renomado Ex-Presidente da República.
Louvo a plenitude da razão, presente na figura do
historiador de nomeada Manoel Rodrigues de
Melo, Quando faz a exortação para a
importância da pesquisa, sobre o quanto existe de labor,
sacrifício, desgosto, alegria, entusiasmo,tudo ficando no
bojo silencioso da história, sem a
compreensão devida pelos que vivem a
posteridade. Inté.
Marcos Pinto é advogado e escritor
3 comentários:
Antonio Praxedes Filho diz:
Parabenizo aqui o ilustre advogado, escritor e historiador: Marcos Pinto.
(O qual tenho o imenso prazer de fazer parte do seu círculo de amizades)
Por mais uma de tantas outras matérias históricas riquíssimas em genealogia de povos que habitaram nossa região em tempos primórdios.
Gostaria de saber sobre a veracidade de uma suposta invasão de povos Tupy que migraram da região da Amazônia para o RN fixando morada no litoral onde hoje é a capital.
Os assim chamados “Potyguaras” teriam forçado os Tapuias a bater em retirada para o interior do estado.
Um grande abraço.
Antonio Praxedes Filho.
Parabenizo aqui o ilustre advogado, escritor e historiador: Marcos Pinto.
(O qual tenho o imenso prazer de fazer parte do seu círculo de amizades)
Por mais uma de tantas outras matérias históricas riquíssimas em genealogia de povos que habitaram nossa região em tempos primórdios.
Gostaria de saber sobre a veracidade de uma suposta invasão de povos Tupy que migraram da região da Amazônia para o RN fixando morada no litoral onde hoje é a capital.
Os assim chamados “Potyguaras” teriam forçado os Tapuias a bater em retirada para o interior do estado.
Um grande abraço.
Antonio Praxedes Filho.
Boa noite... meu nobre Dr. Marcos Pinto e demais leitores. Parabenizo ao amigo historiador, pesquisador e, por que não dizer...um dos maiores antropólogo sócio-cultural genealogista do nosso Apodi e do nosso Rio Grande do Norte. Esse artigo confirma a seriedade e sua alta capacidade de pesquisa e Interpretação etnográfica sobre como nosso povo Potiguar em suas entranhas Tupy-guaranis, que ao longo processo histórico foram se constituindo até chegar o que somos hoje. Esse artigo é rico demais...precisaria fazer parte na formação contínua de nossa gente e referenciais para as novas gerações potiguares. Parabèns meu amigo e irmão conterrâneo Tapuia.
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