Nos dois países, divisão e ira
predominam
Clovis Rossi – Folha da Folha de S.Paulo
Brasil e Estados Unidos têm relativamente poucas
semelhanças entre eles, a não ser pelo fato de que são países continentais.
Por isso, impressiona como é parecido o ambiente político
(e eleitoral) que os dois países estão vivendo.
Pegue-se, por exemplo, a descrição da reportagem de capa
da Economist que está nas bancas a respeito das eleições legislativas nos EUA.
Começa assim: “Enquanto a América se prepara para ir às
urnas no dia 6 de novembro, o país está mais dividido e mais irado do que
jamais esteve em décadas”.
Vale para os EUA, vale para o Brasil. Valem também, com
nuances importantes, as observações seguintes: “Uma política federal tóxica é a
grande fraqueza da América; (...) mina a fé dos americanos em seu governo e em
suas instituições; e enfraquece o farol que a democracia americana representa
no exterior”.
Que há um ambiente político tóxico no Brasil parece
indiscutível, assim como o enfraquecimento que ele provoca. Tampouco se discute
que a fé no governo e nas instituições foi minada no Brasil.
Mas, aqui, o raciocínio é inverso: não foi a toxicidade
ambiental que minou governo e instituições; foram governo e instituições, com
suas ações (ou inações), que geraram a toxicidade, ou ao menos a maior parte
dela.
A terceira frase também tem certa validade: é claro que o
Brasil e sua democracia jamais chegaram a iluminar o mundo. Mas sou testemunha
ocular, ao acompanhar incontáveis viagens presidenciais desde Itamar Franco,
que houve realmente momentos de encantamento com a democracia brasileira,
depois das trevas representadas pela ditadura do período 1964-85.
A ascensão de Jair Bolsonaro abalou
seriamente o encantamento, a ponto de a Economist ter levado à capa, faz um
mês, o então candidato como “a mais recente ameaça na América Latina”.
É verdade que os hidrófobos do bolsonarismo consideram
que a Economist é comunista. É uma idiotice, mas o que esperar de gente com
essa mentalidade imbecil?
No capítulo “fake news”, mais uma
semelhança: a revista britânica diz que as mentiras de Trump são tão descaradas
e eficientes que muitos de seus apoiadores põem sua palavra acima da dos seus
críticos, especialmente daqueles na mídia, apesar de toda evidência.
O que é ótimo para Trump, completa a publicação: “Como
não se acredita em ninguém, ele não pode ser chamado a prestar contas”.
Em ponto menor, é o que acontece com Bolsonaro.
Resta ver se, como no Brasil, um candidato que é dos
principais responsáveis por espalhar toxicidade no ambiente ganha a eleição.
A mídia liberal (comunista para os descerebrados do
bolsonarismo) está otimista, como é o caso do New York Times. Claro que Trump
não é candidato, mas “o único tema nesta eleição é o presidente Trump”, escreve
Sarah Lyall na newsletter de Política para o New York Times.
O próprio presidente confirma: “Não estou na cédula, mas
estou na cédula, porque isto é também um referendo a meu respeito”, disse em
recente comício no Mississipi.
Se vencer, Trump fica ainda mais forte, mas “será
desastroso para a América”, acha a Economist. Afinal, fecha a revista, “quando
um debate racional perde seu poder, a democracia não pode funcionar”.
Vale para os EUA, vale para o Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário