A apropriação política da camisa da seleção
reflete os ânimos dos brasileiros às vésperas da copa na Rússia
ÉPOCA -
Tatiana Furtado
>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA
desta semana
Fanático por futebol, o cantor e compositor Lucas
Santtana, de 47 anos, vai torcer pelo time do Brasil usando uma camiseta
vermelha com a inscrição SBF, de Seleção Brasileira de Futebol, na parte da
frente. Atrás, o número 16 e a inscrição “Foi golpe”. O número se refere a
2016, o ano do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
O artista baiano providenciou um uniforme igual para seu
filho Josué, de 15 anos. “Não uso uma camisa da CBF de maneira alguma. Pode-se
torcer com uma camisa rosa ou qualquer outra. Não é a camisa que é a dona da
paixão pelo futebol.” Torcedor do Bahia e do Flamengo, Santtana não descarta
utilizar em alguns jogos um uniforme comemorativo do time baiano, em verde e
amarelo, para apoiar a Seleção.
Assim como Santtana, muita gente descontente com o
governo Michel Temer se recusa a vestir a camisa amarela associada aos que
foram às ruas se manifestar contra a corrupção no governo petista e a favor da
saída da então presidente da República. “Está chegando a Copa, e não vejo
ninguém com a camisa do Brasil. Porque essa camisa virou sinônimo de filho da
p..., de golpista”, protestou o músico João Gordo na Virada Cultural, evento
realizado em São Paulo no mês passado.
Depois do impeachment, o escritor Marcelo Rubens Paiva
jogou fora as duas camisas que tinha da Seleção, uma amarela e a outra azul.
Ainda não decidiu, mas é provável que torça com a camisa do Corinthians. “Não
dá para vestir a camisa da Seleção, que virou símbolo de uma massa de manobra
comandada por golpistas”, afirmou. O perfil dos atuais jogadores não contribui
para que mude de posição. “São despolitizados. Não estão nem aí com a situação
do país. Gostam de andar de helicóptero. Esta é a Seleção Ostentação.”
O uso do uniforme da Seleção pelos “coxinhas”, alcunha
utilizada pela esquerda, não é o único motivo das resistências à camisa. As
acusações de recebimento de propina contra Ricardo Teixeira, a prisão do
ex-presidente da CBF José Maria Marin nos Estados Unidos e o banimento de Marco
Polo Del Nero do futebol, ordenado pela Fifa, reforçam o repúdio ao escudo da
entidade máxima do futebol brasileiro.
“Vou assistir com um helicóptero de cocaína na camiseta
para homenagear o diretor da CBF”, disse Gregório Duvivier ao ser indagado
sobre qual traje usará na Copa. O ator e humorista se refere a Gustavo
Perrella, nomeado em janeiro diretor de Desenvolvimento e Projetos da CBF.
Ex-deputado federal e filho do senador Zeze Perrella (MDB-MG), ele ganhou as
manchetes há cinco anos, quando a Polícia Federal apreendeu um helicóptero de
sua empresa com quase meia tonelada de cocaína. O inquérito da PF afastou
qualquer responsabilidade de Perrella no caso.
Nem todos na esquerda manifestam aversão à camisa da
Seleção. Preso desde 7 de abril no prédio da Polícia Federal em Curitiba,
Paraná, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva torcerá com a amarelinha, pelo menos segundo o
deputado Wadih Damous (PT-RJ), que o visitou no último dia 30. “Acabo de
visitar o presidente Lula. Já estava de camisa amarela para torcer pelo
Brasil”, afirmou em seu Twitter.
* Colaboraram Ruan de Sousa Gabriel
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