O piso do recreio, quando eu estava no primário, era de
terra batida. Não tem mais terra batida nas escolas assépticas de hoje em
dia. Chão que a gente podia cavar buraquinhos para jogar bola de gude
(bila). Chão que a gente ralava o joelho jogando futebol.
Recreio onde a gente socializava. Recreio onde a
gente comprava filó e pão de queijo e relaxava entre as aulas de matemática e
de ciências. Recreio ensinava tanto quanto as aulas.
Nos recreios descobri a quantidade de idiotas que existe neste
planeta. Acho que todo mundo guarda na memória o nome, as expressões de
terror, o sentimento de medo gerado pelo idiota do recreio. O meu era o Patrick.
Todo mundo teve um Patrick na vida, pronto para expor você à execração pública
no pátio de terra batida do recreio.
Se ele o escolhesse, naquele dia você seria o motivo da gargalhada de
todos. Qualquer coisa serviria. Negão, mico-preto, burro, feio, baixinho,
qualquer coisa serviria para o tribunal presidido pelo Patrick condená-lo. Cercariam
você, enquanto Patrick iria agredi-lo física ou verbalmente. Ou ambos.
Todos em
volta seriam cúmplices.
Crianças precisam disso, dizem. Precisam de um alvo. Alguém que
represente publicamente suas próprias fragilidades, fraquezas e
vergonhas. Os Patricks vêm a calhar. São o veículo dessa humilhação
pública.
Até hoje você vai ouvir quem diga que “bulling sempre
existiu”. É o jeito, talvez inconsciente, de se convencer que crianças
precisam aprender a serem agredidas e a agredir nesse mundinho competitivo que
inventamos.
Bobagem. Violência é só violência. Institucionalizada
ou não.
Até hoje, enquanto alguns brincam de bola de gude num
canto e outros comem filó, os Patrick continuam à espreita. Todos
os dias.
Esquerda e direita são os novos
quatro-olhos-gorducho-nanico. A Camila fala de uma amiga de infância que a
bloqueou. Hoje a amiga voltou para dar mais um cutucão. O recreio faz
isso.
Tira o pior das pessoas. Tira esses sentimentos
viscerais e esfregam na cara da gente. Agora me ocorre que tinha um outro
momento importante nos meus dias. Lá pelas cinco e meia da tarde, quando estava
brincando na volta da escola, minha avó gritava para que eu subisse para tomar
banho.
Pela janela do banheiro dava para ver o céu aberto, as
vezes nublado, dos finais de tarde de Apodi; a água quentinha; o cheiro de
sabonete misturado com o de bola de futebol.
Nessa hora eu me sentia feliz. A água levava embora
o suor, a terra e o Patrick. Saudade desse chuveiro.
Por Mentor Neto
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