sábado, 23 de dezembro de 2017

Quem é o pai da crise no RN?

A primeira polêmica que acompanhei no nosso RN foi sobre a construção do chamado papodromo para recepcionar o papa João Paulo II em Natal. Os críticos alegaram que o papa poderia ser recebido sem o custoso equipamento. Mas venceram os que disseram que o papodromo não seria um elefante branco, mas um grande centro de convenções dentro da área administrativa do governo. Até um dia desses, após ficar por anos fechado, o papodromo abrigava um restaurante.

A história do RN é marcada por promessas de tal calibre. Vivemos sob o manto das grandes ações e obras redentoras, uma espécie de malufismo camarão. O sonho de nos posicionar num suposto futuro de prosperidade e modernidade é substituído pela realidade e por uma conta pesada. A mesma situação ocorreu com a inacreditável derrubada do Machadinho e do Machadão e o tal legado. É uma constante potiguar.

Na administração de pessoal não tem sido diferente. O RN, pré-constituição de 1988, contou com janelas generosas de ingresso de hoje servidores pelas fundações Walfredo Gurgel, José Augusto, pela Assembleia, etc. E não apenas isso: desde Garibaldi, passando por Wilma, Iberê e Rosalba, todos quando saíram aprovaram planos de cargos, carreiras e salários sabidamente sem a menor condição de implementação. Tudo embalado pelo sentimento: não  serei mais o governador. O problema não será mais meu. 

É impressionante comparar nossa folha com a da Paraíba, com orçamento semelhante – cerca de 12 bilhões/ano -, e perceber que eles gastam 1,2 bilhão a menos do que a gente com salários. Vale ressaltar que temos 53 mil servidores na ativa e eles cerca de 80 mil. Isto significa que lá há mais professores, policiais e enfermeiros, prestando um serviço ostensivo aos paraibanos e a um custo bem menor de que aqui.

Nossos poderes também apresentam condições bem especiais. Só que para os poderes, apenas. Uma legislação retrógrada e não seguida pelo resto do país e muito menos pela União faz com que eles recebam mais do que precisam e tenham o direito de fazer poupança com recursos que deveriam retornar para o tesouro estadual. É por isso que o Tribunal de Justiça do RN conta com um custo bem mais elevado do que o TJ vizinho e entrega desempenho menor para os seus jurisdicionados, conforme o CNJ. É por esse caminho que nossa Assembléia, menor do que a da Paraíba, pesa mais no bolso do contribuinte.

Mas não termina por aí. Escuta-se muito nos meios empresariais que a Paraíba é mais eficiente na cobrança de impostos e que nós perdemos muita receita. É preciso duvidar de tal eficiência e lançar lupas sobre de que maneira e quem o Estado cobra. Aqui supermercados têm isenção e subsídio de gás. Não há qualquer justificativa plausível e estratégica para tanto. Não há guerra fiscal entre uma loja varejista de alimento daqui com as de outros Estados. Nós não sairemos do RN para fazer feira na Paraíba ou em Pernambuco. Não se defende aqui qualquer tipo de radicalismo anti empresarial. As isenções são importantes, mas elas servem para atrair empresas de fora em determinados setores econômicos, desde que comprovem devidamente que criarão empregos e investirão nas nossas terras. Com estudo embasado e justificado no sentido de provar que o desconto dado em impostos trará benefícios objetivos. Isenção, quando funciona para praticamente todo mundo, não merece mais o nome que carrega.

A fatura por essa equação toda estourou de forma dramática agora. Não há mais paliativos já sacados no passado por Garibaldi, quando vendeu a Cosern; por Wilma de Faria, que recebeu recursos generosos do governo Lula; por Iberê, que recebeu empréstimo do judiciário; por Rosalba, que só pagou dezembro e o décimo terceiro antes de deixar o mandato – muita gente já não se lembra – porque sacou recursos do Funfir. É fundamental uma alteração de rumo. Entretanto, por todas as resistências já levantadas pelos hipertrofiados grupos de pressão contra qualquer tipo de mudança de sentido, é ingênuo imaginar que sairá apenas de um governo.

Por isso vale, pelo histórico acima, enfatizar: a conta não tem apenas uma pessoa ou um grupo responsável. Ela não é apenas de Robinson Faria ou mesmo apenas da classe política local. É da classe política, dos poderes constituídos, das representações patronais e de trabalhadores e dos chamados “setores pensantes” da sociedade norte-riograndense. Sim, porque mesmo diante de toda crise, não há números e estudos produzidos sobre o assunto nas universidades, pelos institutos públicos e privados, imprensa, associações patronais e de trabalhadores, etc. O que torna o contexto carente também de reflexão.

Porém, ainda que tenha sido um revés erguido por muitos braços, os responsáveis agora silenciam para o que importa e gritam diante de questões secundárias ou criam fumaças contra o atual governo como forma de demarcar o problema nele e impedir qualquer contaminação responsabilizadora – verdadeira – para além de tal fronteira.

A crise do RN é uma espécie de filho sem pai nem mãe. Apareceu numa cesta, está com muita fome e precisa de ajuda. Só que ninguém aparece. Isto tudo é ruim porque, enquanto o debate sensato não acontecer, a tendência é que, ainda que venha o socorro financeiro da União – não acredito que a recomendação do MP de Contas reverta esta tendência -, a falta de grana será novamente implacável. Só questão de tempo. Sem demagogia: a hora é para uma urgente reforma do Estado. Quem sabe a extrema dificuldade atravessada não seja um ponto de partida oportuno para tanto?

Por Daniel Menezes

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