Por Marcos Pinto
Tenho encontrado, não raros fatos, descritos por alguns
historiadores e pesquisadores desta “Província” (Mossoró) completamente
divorciados da realidade geradora da história. Em uns percebe-se a intenção
deliberada de ocultar algum libelo ou vício que recai sobre um protagonista, em
outros a evidência em proteger algum parente ou amigo, arrolados pela prática
de não heroico nunca praticado.
Cito como exemplo a versão criada pelo clã Rosado e
remuneradamente adotada por Câmara Cascudo, Edgar Barbosa e Raimundo Nonato da
Silva, de que a viagem em que perecera Dix-sept Rosado tinha como objetivo
ultimar empréstimo de trinta milhões de cruzeiros com os quais ampliaria os
serviços de abastecimento d’água de Natal, Mossoró e Caicó.
O renomado João Maria Furtado, em sua inexpugnável obra
intitulada “Vertentes”, publicada no Rio de Janeiro em 1976, pela gráfica
Olímpica, contesta esta deslavada versão com argumentos eivados de rasgos de
veracidade, cuja tese contestatória consta no livro “A(Re)Invenção do Lugar –
Os Rosados e o País de Mossoró” do Prof. Dr. José Lacerda Alves Felipe, com o
seguinte teor:
“Outras vozes davam objetivo diferente e menos mitológico
à referida viagem, pois seu sentido real, estava relacionado à resolução de
problemas criados com a partilha dos cargos estaduais entre lideranças e os
partidos que elegeram Dix-Sept e que compuseram, portanto, a “Aliança
Democrática” na qual Café Filho, julgando-se Presidente da República, nomeara
apenas seus correligionários para os cargos federais do Estado”.
Em que pese os relevantes serviços prestados à cultura,
pelo prof. Vingt-un Rosado, observa-se a intenção deste em fixar o falecido
irmão Dix-Sept como herói cívico, como mártir que se sacrificou pela resolução
do problema de água em Mossoró e no RN, afirmando que a “água era a própria
história dos Rosados a começar do velho patriarca” (vide livro de sua autoria
“O protocolo de Mossoró; …Coleção Mossoroense – 1998)”.
Quando Vingt Rosado foi eleito prefeito de Mossoró em
1952 teve como uma das primeiras metas adotadas, a contratação dos
historiadores Câmara Cascudo e Edgar Barbosa para, sob o “incentivo” de larga
remuneração, utilizarem seus conhecidos naipes literários para traçarem uma
espécie de culto à personalidade, atribuindo conotações heroico/históricas às
pessoas de Jerônimo Rosado, Dix-sept Rosado e Ana Floriano, respectivamente pai
e irmão de Vingt, e bisavó paterna da esposa de Vingt.
Assiste razão a Juarez Távora quando afirma que “O
memorialista conta o que quer, o historiador deve contar o que sabe”.
A história deve ser contada a partir de documentos
oficiais, e estes sepultam definitivamente a versão de que Ana Floriano
comandou o famoso Motim das Mulheres. Senão vejamos. Em oficio datado de 4 de
setembro de 1875, o então Juiz de Direito de Mossoró, Bel. José Antônio
Rodrigues, comunica ao Presidente da Província do RN, dentre outros itens:
- “Presenciaria esta cidade a farsa mais ridícula de um
grupo de 50 a 100 mulheres mal-aconselhadas por seus maridos e parentes, e
capitaneadas por D. Maria Filgueira, mulher de Antônio Filgueira Secundes, D.
Joaquina de Tal, mulher do camarista Silvério Ciriaco de Souza e D. Ana de Tal,
mãe de Jeremias da Rocha Nogueira… (Vide livro “Escócia – 2ª Edição pag.
130:133 – Coleção Mossoroense – Vol. 989). D. Maria Filgueira era a mãe do
Major Romão Filgueira.
O pesquisador historiador Lauro da Escócia fez, ainda os
seguintes insertos históricos inexplicáveis:
- “Que o Motim das Mulheres” era composto por cerca de
300 mulheres, que Ana Floriano se armara com um espeto de ferro e postara-se na
Agencia Consular Portuguesa em Mossoró, em uma escada defendendo o filho
Jeremias José Damião e Ricardo Vieira do Couto, no atentado praticado por
Rafael Arcanjo da Fonseca e outros, no dia 1º de janeiro de 1875. Que Ana teria
dito: “quem subir a escada morre na ponta deste espeto”.
Vejamos o que diz o sobrinho-neto de Lauro, o jornalista
Cid Augusto, em seu livro acima citado – pag. 153: “Contrariando a versão
mencionada anteriormente, Jeremias presta, em seu texto, solidariedade a José
Damião e ao Agente Consular Frederico Antônio Carvalho, o que pode significar
que ele e Ricardo Vieira do Couto não estavam presentes no local do
acontecimento, a Agência Consular Portuguesa. Em momento algum, Jeremias se
refere a Ana Floriano”.
Jeremias faleceu em 1881.
Há que ressaltar que o próprio Cid Augusto, homem de
reconhecido talento literário, procura, de forma incontida e insubsistente,
infundir a ideia de que Jeremias da Rocha Nogueira (seu ascendente)
encarnaria a ideia abolicionista.
Todos os documentos são unânimes na configuração de que
Mossoró teve desencadeado o movimento libertário somente em janeiro de 1883,
culminando em 30 de setembro do mesmo ano. O resto é coisa para ser contada no
“arco da velha” ou na “Povoa do Varzim”.
Inté!
Marcos Pinto é advogado e escritor
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