Blog do Josias de Souza
De duas, uma: ou Temer morrerá de tédio ou
acabará gritando diante do espelho: “Fora, Temer”.
Carlos Drummond
de Andrade escolheu como epígrafe do livro Claro Enigma um verso de Paul
Valéry: “Les événements m’ennuient”. Significa: os acontecimentos me entediam.
Ou me chateiam, numa tradução livre. Michel Temer poderia adotar o mesmo verso
como lema de sua gestão. Mais do que revolta, o comportamento do presidente
diante da crise moral começa a provocar uma onda de tédio.
Em entrevista à espanhola TVE, Temer concordou com
o entrevistador quando ele disse que é triste ter dezenas de políticos acusados
de corrupção no Brasil. “Sim, me parece triste, não posso falar outra coisa”,
aquiesceu o entrevistado, antes de deixar claro que sua tristeza não tem a
menor serventia: “Em relação a essas investigações, temos que esperar que o
Poder Judiciário condene ou absolva as pessoas.”
Dois espetáculos
não cabem no mesmo palco. Ou no mesmo governo. Dividido entre uma encenação e outra,
a plateia não dá atenção a nenhuma das duas. Temer anuncia que está em cartaz a
novela das reformas. Mas a hecatombe da Odebrecht faz piscar outra palavra no
letreiro: c-o-r-r-u-p-ç-ã-o. A estratégia de Temer é clara: simular desgosto
com a podridão e tentar arranca as reformas do Congresso apodrecido.
Noutra
entrevista, dessa vez à agência de notícias Efe, Temer reiterou que deseja
descer ao verbete da enciclopédia como o presidente que ''reformulou o país''.
Vaticinou: ''A melhor marca do meu governo, será
colocar o país nos trilhos.” Bocejos! O presidente parece dar de barato que, na
disputa por um lugar no cartaz, o vocábulo “reformas” prevalecerá sobre
“corrupção”. Será?
Fernando Henrique
Cardoso gosta de dizer que, sob atmosfera caótica como a atual, o Brasil
costuma avançar. De fato, a crise atenuou as resistências ideológicas às reformas.
As corporações ainda brigam pela preservação de privilégios. Mas estão meio
zonzas. Amedrontado, o Congresso talvez se mexa.
Supondo-se que
Temer consiga aprovar algum tipo de reforma trabalhista e previdenciária, os
efeitos das mudanças serão avaliados mais adiante. A imagem do seu governo,
porém, é um problema urgente. Com a popularidade roçando o chão, Temer associa
sua agonizante figura a uma tríade de símbolos tóxicos: cumplicidade, suspeição
e acobertamento.
Acomodado por
delatores no centro de cenas nas quais foram negociadas verbas eleitorais
espúrias e propinas milionárias, Temer só não é investigado porque a
Procuradoria-Geral acha que ele dispõe de imunidade temporária enquanto estiver
na cadeira de presidente. Contra esse pano de fundo enodoado, o presidente
passa a sensação de que não dispõe de moral para agir. Daí, por exemplo, a
presença de ministros suspeitos no governo.
Quando escuta
Temer dizer que fica “triste” com a suspeita de roubalheira que recai sobre
tantos políticos, a plateia boceja de tédio. As manifestações do presidente dão
sono antes de irritar. Confrontadas com os avanços da Lava Jato, suas palavras
mostram que, no Brasil da Lava jato, o pesadelo tornou-se menos penoso do que o
despertar.
Em meio aos dois
espetáculos que estão em cartaz, Temer se divide. Do ponto de vista econômico,
a aura do presidente pertence à modernização. Do ponto de vista político, Temer
se esforça para simbolizar o que há de mais anacrônico. Acossado pela hecatombe
moral, Temer reage à moda do avestruz: enfia a cabeça na sua pseudo-tristeza.
De duas, uma: ou Temer morrerá de tédio ou acabará gritando diante do espelho:
“Fora, Temer”.
Um comentário:
Não faz nada porque seu partido desde de 1986 estar no poder e sempre de baixo da saia do Governo Federal apoiando e aprovando todo tipo de maracutaia
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