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Realidade: Francisco Edilson Neto (em pé),
do Sindicato de Trabalhadores do Apodi,
falou do problema da água enfrentado
pelos seus
companheiros agricultores e emocionou os
participantes da jornada
(Foto: Diego Camelo)
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A água enquanto direito humano foi o foco
principal das discussões da Jornada Nacional do Meio Ambiente nesta
quinta-feira (14/5). O evento teve como principal conferencista o relator
especial sobre o direito humano à água potável e esgotamento sanitário do
Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e
pesquisador da Fiocruz Minas, Léo Heller. O tema foi debatido pelo
presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Apodi (RN), Francisco
Edilson Neto, que, em sua fala, apresentou uma visão da realidade da ausência
do direito à água.
Ao apresentar a conferência Direito humano à água e ao esgotamento
sanitário, Heller resgatou o histórico dos direitos humanos e
situou o direito à água dentro da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). O
pesquisador mencionou que o Plano Nacional de Saneamento Básico
(Plansab), aprovado em dezembro de 2013, revela que cerca de 40% da
população brasileira (77 milhões de habitantes) não tem acesso adequado à água
e que 60% (114 milhões de pessoas) não dispõe de solução adequada para seu
esgotamento sanitário. “O direito humano à água obedece a cinco princípios:
direito à disponibilidade, qualidade, acessibilidade financeira (ou seja, não
pode ser negado o fornecimento de água caso o indivíduo não possa arcar com os
custos), acessibilidade física e aceitabilidade. E cabe ao governo prestar
contas à sociedade e garantir o cumprimento progressivo do direito à água e a
sustentabilidade do acesso. Não basta dar acesso. Esse acesso tem que se
sustentar ao longo do tempo”, ressaltou.
As regiões Norte e Nordeste são as menos
favorecidas e onde a população, principalmente a mais pobre, sofre com a
carência de estrutura institucional e com a falta de acesso adequado. Além
disso, as coberturas são mais baixas nas zonas rurais se comparado às zonas
urbanas e muito inferiores nas vilas e favelas. Segundo Heller, isso acontece
porque as políticas de saneamento têm sido muito oscilantes. Para resolver
essas questões, é preciso ter políticas fortes, estruturadas, consistentes e de
longo prazo. “Atualmente,
observamos uma recuperação. Houve um crescimento por volta de 2005/2006 por
conta dos Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC 1 e PAC 2). Outra
iniciativa positiva foi o lançamento, no final de 2013, do Plano Nacional de
Saneamento. Agora, o grande esforço do Brasil será implantar esse plano”,
ressaltou.
Em relação ao problema do acesso à água no
Nordeste, Heller afirmou que vários aspectos contribuem para esse quadro. Entre
eles, a insuficiência dos esforços governamentais, a alta densidade
populacional – é a segunda região do Brasil em população – e as diversas
realidades na região. “Cada realidade exige um olhar próprio. Para melhorar as
condições de saneamento é preciso ter prestadores de serviço qualificados e
fortes. Por outro lado, a política tem olhado muito para o prestador de
serviço. Ao se olhar pela perspectiva do direito humano, a gente passa a olhar
para o direito do cidadão”, enfatizou.
O relator da ONU ressaltou, ainda, que o
grande problema não é necessariamente a falta de água. Ele garantiu que
atualmente existe tecnologia para atender a população que vive em áreas com
maior escassez hídrica. “Quando há gestores empenhados e políticas públicas é
possível resolver essas questões. Um grande dilema é que a repartição da água
nos mananciais nem sempre prioriza o consumo humano. Muitas vezes a
agricultura, a mineração, a pecuária e outras atividades econômicas são
priorizadas. Pouca água nos mananciais não pode ser sinônimo de escassez”,
criticou.
Em geral, de acordo com Heller, algumas
parcelas da população são mais vulneráveis e discriminadas. Em sua visão, o
modelo de acesso à água e ao esgotamento sanitário em geral é perverso. “São os
menos favorecidos que não têm acesso. É preciso ter o forte compromisso de
diminuir as diferenças entre situações mais e menos favoráveis. O marco mais
importante no Governo Federal é o Plano Nacional de Saneamento Básico. É um bom
sinal, já que temos um conceito de como será o saneamento do futuro no Brasil.
Mas é preciso ficar atento, porque a atual crise econômica pode colocar em
risco a implementação do Plano”, alertou.
A meta do milênio estabelecida pela ONU é
atingir, até 2030, acesso universal e equitativo da água para todos, de forma
segura e acessível financeiramente. No mesmo prazo, também é preciso garantir
esgotamento sanitário adequado para todos, com especial atenção para mulheres,
crianças e pessoas em situação vulnerável. “É preciso pensar nas estatísticas a
partir das desigualdades. Identificar diferentes grupos para comparar as
diferenças de acesso entre eles”, comentou.
Apodi – O presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais do Apodi (RN), Francisco Edilson Neto, participou da
conferência como debatedor e emocionou a plateia ao falar sobre os problemas
enfrentados pela população do município. De acordo com ele, 22 comunidades da
região não têm água para consumo e um decreto do Governo Federal vai
desapropriar mais de 13 mil hectares de terra, a serem destinados à agricultura
irrigada. “Não é esse o direito que estamos sentindo. O direito a terra e à
água nos está sendo negado. Água e terra não são negócios. São vida. Vamos
lutar até o fim. Não queremos enriquecer. Não queremos água para o agronegócio.
Queremos viver. Queremos que nossos filhos e netos tenham esses mesmos
direitos”, declarou.
A negativa ao direito à água tem
implicações sobre muitos outros direitos como saúde, moradia, educação,
participação. Por isso, segundo Léo Heller, essa relação com os direitos
humanos precisa ser mais bem explorada e apropriada como uma ferramenta de
mobilização.
Por: Regina Castro
Regina Castro é jornalista da Coordenadoria
de Comunicação Social (CCS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)