Quando visito a
minha amada e nunca esquecida terrinha
onde nascí, sinto-me como um noivo que está prestes
a casar, ansioso, curioso, olhando pra todos os lados, como
se estivesse a procurar uma emoção ou um
som, uma imagem que se perdeu na longitude dos dias
que lá se foram, que transferí - aliás, transferiram - o meu
pai, minha residência para Mossoró. Tanto é que procuro
nas paralelas da minha retina da
saudade as imagens, sons e lugares que
estão amalgamados em mim como uma marca
indelével, que nem mesmo as cinzas do
tempo conseguirão turvar no espelho de minha
alma. O filme da minha vida insiste, em consonância com
as melodias do meu coração, em reprisar
as páginas da saudade, com o eco de
uma paixão tonitroante, com as multicores da
emoção. Nessa contextualidade, vejo-me sentindo perenes
saudades...
... Dos toscos
postes de iluminação pública, de carnaubeira,
aroeira ou pau branco, alguns linheiros e
outros tortos, porém com a serventia que o
tempo satisfez;
... Dos morros
de rapas de madeiras das serrarias de sêo
Raimundo Cabral e de Sêo Chico Assís, pai
de Eidim e de Vovô, com os quais subíamos o
morro, descendo como se fôssemos roladeiras em disparada,
até chegarmos ao rés do chão, todos parecendo
um estranho e pequenino monstro das
matas;
... Dos preás
do reino da casa de dona Terta, mãe de
Dorinha;
... Dos disparates
de ignorância do mudo DUDÉ, irmão de Antão
Moreira, que residia em uma casa velha, bastante teriorada,
vizinho à casa de sêo Aurino Gurgel, ao
lado da Igreja-Matriz;
... Das músicas
transmitidas pelas amplificadoras do Cine-Odeon,
interrompidas de vez em quando para que sêo
Altino Dias anunciasse mais um filme em
tecnicolor, ou seja, cinema em cores, novidade muito
grande no meu Apodi até os anos de
1971/1972;
... Dos carões
de sêo Manoel Dantas, antigo sacristão, que
detestava ver meninos jogando bola sobre
a calçada do patamar da Igreja-Matriz, que
enxotavam-nos de forma ruidosa e grotesca, mesmo
que assistido de razão;
... De sêo
Chico Deodoro - tio de Mana Pinto, que
enchia-me de medo ao levantar a calça
comprida, na parte da perna direita, que mostrava
amputada até a parte do joelho;
... Das presepadas
de BURG DENTISTA, sempre portando consigo alguns
instrumentos específicos para a extração
de dentes, o que despertava intenso clima de
terror entre a meninada acostumada a
passar pelo gabinete dentário do mesmo;
... Dos mudos
de Elísio Pinto, primos de Mana Pinto;
... Das subidas
e descidas nos degraus que levavam até
o alto do CORÊTO DO JARDIM;
... Dos meus
amigos de infância Merson, Elano, Chico e Tarcísio
de Chico Paulo, Eidinho e Vandinho de
Sêo Altino Dias, Jorge de dona Niná, Etinho
de Lulu Curinga, Rerissom de San-Cler e
outros;
... Dos saborosos
bolos, suspiros e doces feitos por dona
Cotó e dona Maria José;
... Dos doidos
MANOEL DE ZAQUIEL BELTRÃO (Ezequiel Beltrão) e
ANTONIO MOURA;
... De sêo
Ciço Preso, que se gabava comer de uma
vez só duas rapaduras pretas, das grandes,
misturadas com um quilo de farinha de
mandioca;
... Dos banhos
invernais nos barreiros de sêo Ademar
Caveja, pai de Fãico e Tetéia, ali naquele
local onde está localizada a madeireira
São Francisco. Pasmem! no inverno dava até
nado.
... Do sinal
de que a iluminação pública seria
interrompida (desligada) com um ligeiro
"piscar", feito por sêo Raimundo da Luz
, pai de Durreco, geralmente faltando 15 minutos
para as dez horas da noite, o que
desencadeava uma verdadeira correria das moças,
que temiam as ordens dos pais, que as
advertiam que era para estarem em casa
antes que as luzes da iluminação
pública fossem apagadas;
... Do mudo
Paulo, da família dos CAETANO, que vivia
sempre alí pela casa de sêo Chico
Paulo, onde almoçava e jantava, sendo certo que
só andava com uma bolsa de palha
de carnaúba a cobrir suas partes pudendas - testículos,
dado o fato de ter sido acometido por uma
doença que causa acúmulo de líquidos nos
testículos, o que os torna volumosos,
passíveis de chamar a atenção;
...Saudade de
tudo e de todos... É uma coisa que
corrói por dentro... Retratos de felicidades. VIVAS À NÓS
APODIENSES!.
Marcos Pinto – Historiador e
Presidente da Academia Apodiense de Letras.